terça-feira, 13 de julho de 2010

Amigos lembram Ezequiel Neves


RIO - Amigo desde a adolescência, nos anos 50, em Belo Horizonte, o escritor Silviano Santiago foi um dos muitos que sonharam reunir num livro os textos e as frases espirituosas que Ezequiel Neves produziu em seus 74 anos de vida intensa. Santiago já tinha até um título, "Pílulas de rock do Dr. Zeca", e algumas editoras interessadas, mas, em cima da hora, o produtor musical (que também foi ator, jornalista, letrista e incansável festeiro) desistiu. Disse que livro não era com ele.
Como lembra Roberto Frejat, guitarrista do Barão Vermelho e parceiro de Cazuza (e também do produtor, como no sucesso escrito a seis mãos e muitas doses "Por que a gente é assim?"), "Quem conheceu Ezequiel nunca mais foi o mesmo, e mudou para melhor!" Enquanto não sai uma coletânea póstuma com the best of Ezequiel, ainda sob o impacto de sua morte, ocorrida na tarde de quarta-feira - 20 anos após a partida de Cazuza -, alguns amigos relembram histórias que viveram com aquele que foi o verdadeiro "Exagerado". Além da figura escandalosa, Ezequiel tinha sofisticada base intelectual. Muitas facetas de um personagem arrebatador, que, agora, aguarda uma biografia à altura.


Estávamos no Studio 54, em Nova York, numa festa enorme e, não me pergunte como, terminamos num camarote só com gente famosa, Elizabeth Taylor, Jerry Hall... Ezequiel ficou doido com Liz Taylor, que, na época, fazia uma temporada de sucesso na Broadway, e me disse: 'Vou cheirar uma fileira nos peitos dela.' Zeca passou a segui-la, foi para a pista, dançou, voltou para o camarote, sentou do lado, falou algumas coisas e, num momento em que Liz Taylor se virou, pegou o vidrinho dele e deu uma cafungada no peito da atriz!. Ele adorava essa história, que presenciei. Mas, quanto a Woodstock, em 1969, Zeca nunca esteve lá. Ele passou a vida sendo entrevistado sobre o festival, dizia que tinha sido levado no jato de um amigo e contava que foi um terror: 'Os banheiros cagavam e mijavam em cima de todos!'
LEONARDO NETO, produtor musical

Uma noite dessas, há séculos, estávamos todos, um grupo misto, no Antiquarius, o restaurante dos poderosos no Leblon. Zeca, que não tinha dois tostões de paciência para preciosidades sociais ou gastronômicas, ao ser abordado pelo maître para fazer seu pedido, olhou atentamente a capa do menu e mandou: 'Antiquarius... Sei. O que é que tem de antigo aí, hein, garotinho?' Rapidamente, antes da resposta, concluiu: 'Ah... Me traz a canela do Tuntancâmon.' Pano rápido, close na cara do maître

LULU SANTOS, cantor

Zeca dizia odiar bar gay, porque odiava gueto. Para ele, todo bar tinha que ser gay, livre... Também dizia que casamento é o túmulo do amor: 'É um desperdício comum dois viverem vida de um.' Quando um jovem repórter disse a ele, durante as entrevistas de lançamento do livro que fizemos do Barão, 'Ezequiel, você, como crítico de música...', Zeca fuzilou: 'Crítico de música? Eu sou crítico de tudo!'

RODRIGO PINTO, jornalista

Eu me lembro de que ele já bem doente não controlava mais os movimentos da boca, então deixava cair comida na roupa, deixava escorrer pelo canto da boca a água enquanto bebia, mas, quando conseguia uma dose de vodca, não deixava pingar uma gota sequer! Acho isso a coisa mais Ezequiel do mundo, ele era uma aula de força. Gostava muito, muito dele, apesar de ter convivido pouco. E o amor dele pelo Dé (Palmeira, baixista do Barão Vermelho) sempre me comoveu

ADRIANA CALCANHOTTO, cantora

Estávamos numa festa, aí, Paulo Ricardo, que era tipo um filho de Zeca, falou: 'Gente, quero mostrar meu novo disco.' Rolou uma audição daquele CD cuja capa traz Paulo como São Sebastião, e todo mundo gostou, enquanto Ezequiel ficou calado. 'E aí, Zeca, o que voce achou?' Ele respirou fundo e: 'Paulinho, eu gosto muito de você, mas esse seu disco é uma MERDAAAA!!!'

MAURÍCIO BRANCO, ator

Mesmo perto do fim, Zeca nunca perdia a piada. Em novembro do ano passado, voltando de uma internação, assim que chegou ao seu apartamento, foi à geladeira, pegou uma garrafa de vodca e tomou duas doses. Depois, quando a irmã ligou de Belo Horizonte perguntando se precisava de algo, se estava tomando muitos remédios, Zeca respondeu: 'Não, o médico me receitou apenas um: VODCA!'

KATI PINTO, produtora

Quando me encontrava e queria elogiar minha aparência, Ezequiel dizia: 'Gilberto, você trabalha porque quer.' Ele dizia ainda que tomava conta dos rapazes do Barão Vermelho e só chamava os pais em caso de tentativa de suicídio

GILBERTO BRAGA, dramaturgo
Em Portugal para promover o CD 'Álbum', do Barão, ficamos num hotel com aquela máquina de gelo no corredor. Ezequiel e seu uísque estavam mais pra lá do que pra cá, mais rápidos que a capacidade da máquina repor os cubos. Ele chamou um funcionário, que bateu na porta e perguntou o que acontecera. Zeca respondeu, furioso, que a máquina era uma porcaria, que não tinha gelo suficiente. Escutou do cara: 'Ora pois, vocês estão a tirar o gelo da máquina, como quer que tenha gelo?' Até o Zeca foi obrigado a rir

RODRIGO SANTOS, baixista do Barão Vemelho

Foi com o Zeca minha primeira viagem internacional profissional, em 1987, pela gravadora CBS. Sabendo de sua paixão pelos Rolling Stones, convidei-o para a abertura da turnê na Filadélfia, nos EUA, juntamente com outros jornalistas. Fui buscar Zeca em casa, e, quando chegamos ao aeroporto, ele tinha esquecido as passagens. Contornado o problema, foi a estrela maior da viagem, com sua euforia e entusiasmo. No dia do show, Zeca uivava, gritava, comentava, histérico, cada música e detalhe do show. Eu, fã incondicional do grupo e de Zeca, passei uma das noites mais memoráveis da minha vida. Na saída do estádio, ele desapareceu, para meu desespero. Depois de horas de tensão, Zeca reapareceu no hotel, com o dia raiando, me abraçou e em minutos pariu a matéria para enviar ao Brasil via telex. Era a observação mais lúcida e cirúrgica do que acontecera no palco e no estádio. Brilhante como ele, um mago com as palavras

MARCELO CASTELLO BRANCO, presidente da gravadora EMI
Morreu uma das pessoas mais adoráveis que já conheci. Ezequiel Neves, o Bootleg (como o chamávamos em Londres, pois sempre aparecia com um disco pirata do Velvet Underground ou do Dylan), Zeca Jagger, o inventor do Barão Vermelho, o pai espiritual de Cazuza. Feito jornalista, já no meio dos anos 70, ele escreveu uma vez que eu era 'muito devagar' (os jornalistas precisavam dizer alguma coisa contra mim para fazerem carreira: era um pré-requisito natural). Convidado a uma festa, cheguei e toquei a campanhia do apartamento. Abriu-me a porta Ezequiel (que era também um convidado). Lancei à queima-roupa: 'Devagar e sempre!' Ele me cobriu de beijos

CAETANO VELOSO, músico

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